Odisséia parisiense de Choro

Sob as rédeas do mundialmente conhecido ativista chorológico Denis 7 Cordas, tomou forma uma programação de Choro em Paris de causar desarranjos intestinais mesmo aos mais reputados produtores artísticos que, por tantas vezes, perdem seu tempo com balelas comercialescas cujo nível musical chafurda próximo a índices muito aquém do zero absoluto. A série de eventos de Choro começou no dia 21 de Junho de 2010, e se prolongou diária e ininterruptamente até o final do mês.

Na minha modesta opinião, estivemos diante de uma verdadeira Odisséia do Choro. Um pouco de tudo houve. Desde uma caça ao javali pelas ruas de Paris, passando por oficinas de pandeiro e bandolim, até concertos e rodas de choro (óbvio ululante). Tudo sem hora para terminar, como não poderia deixar de ser qualquer esquema chorístico de verdade. E claro, as atividades eram abertas à participação de qualquer pessoa interessada. Nada de restrições, fronteiras, limites, cercas, fiscais, telecâmeras; o Choro é livre por natureza.

Dentre os vários músicos que participaram de algumas ou todas as atividades, lá podia-se encontrar a mim inclusive, naturalmente. Tive por companheiros de Odisséia alguns de meus maiores amigos chorões europeus, e gostaria de citar alguns, somente para efeitos didáticos.

Choro é Choro, não importa a iluminação do boteco

Choro é Choro, não importa a iluminação do boteco

Um deles é o Denis (obviamente), que, depois de Obelix e Charles Aznavour, é a pessoa mais carismática de toda a Gália. Conhecemo-nos já há muito tempo, e desde então a nossa amizade vem se tornando cada vez mais longeva — o que pode nos aproximar, por um lado, mas por outro pode fazer com que futuramente um não consiga mais olhar pra cara do outro. O que não seria um problema, porque Choro também pode ser tocado de olhos fechados, se for o caso.

Outra figura que tive o prazer de rever é o pandeirista e cantor Yesser, que com seu inconfundível chapéu-coco nos faz relembrar os tempos idos de boemia que não pudemos conhecer, pelo simples fato de que não tínhamos nascido ainda. Sempre que o vejo tenho uma nostálgica sensação de estar relembrando uma infinidade de coisas que de fato nunca esqueci, porque nunca soube.

Nessa maratona do Choro parisiense reencontrei ainda o pontual violonista 7 cordas Fabrizio, que desta vez estranhamente chegou mais cedo do que todo mundo. Não se tratou bem de um reencontro porque nós nos vemos toda semana, afinal temos um duo e moramos mais ou menos na mesma cidade, mas não por isso deixou de ser um certo tipo de reencontro.

Por ali, às espreitas, entre um maxixe e outro, por detrás de uma polca, nos arredores do samba, eis que não me deparei com o flautista Leandro? Ele havia abandonado as praias catarinenses para tocar flauta às margens do Sena, ao menos isso foi o publicado pelo Le Monde em matéria de capa dominical. Leandro afirmou aos jornalistas que, por enquanto, ainda não se arrependeu de sua escolha, mas essa conversinha mole não convence ninguém.

Eu tenho comigo que o personagem mais enfaticamente aguardado por toda Paris era, sem dúvida, Javali do Cavaco. Figura ainda incompreendida no cenário artístico italiano, com sua espantosa técnica monodátila que causaria espanto ao mais hábil samurai da Mongólia Interior, esse jovem, para não dizer moleque, para não dizer piá, divide seu tempo entre o oboé, o cavaquinho e a produção de discos de dance music. Um desses elementos deverá ser forçosamente expelido de sua vida em breve, e no meio chorão já corre à socapa qual será.

Para finalizar esta incompleta lista de presenças chorísticas no grande intensivo de Choro que o Bando do Chorão organizou, eu acho importante mencionar o também meu camarada Marco, companheiro de bandolim desde que me conheço por gente. Palhetada similar, mesmo fraseado, escolhas tímbricas idênticas… até a cor dos olhos é a mesma, um verde intenso, reflexivo, introspectivo, o que nos confere um olhar artístico cúmplice. De tão semelhantes, hoje em dia nós dois quase nos consideramos a mesma pessoa.

A programação completa da Odisséia do Choro em Paris, com todos os horários e endereços, está amplamente clarificada no site do Bando do Chorão, acessível em centenas de idiomas — claro, para que ninguém se sinta excluído.